terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Recentemente a Regina (que é a Raven do Expresso Hogwarts e uma das revisoras do Amaterasu para quem ainda não sabe) escreveu um post sobre sua vida de nerd que eu achei simplesmente fabuloso! O modo como cada uma das pequenas coisas de sua nerdice faz ela feliz.

Recomendo darem uma visitada nele AQUI.

Inspirada nesse(e empolgada pelo) post dela, resolvi ressuscitar outros que eu havia escrito um tempinho atrás sobre a nerdice de todos nós. O primeiro é uma review da série Fanboy, feita por Sergio Aragonés e Mark Evanier, e publicada anos atrás pela Brainstore. Saiu originalmente no Abacaxi Atômico.

A segunda é sobre os Homo Sapiens Quadrinisticus, que eu já havia colocado no Amaterasu um tempinho atrás.

Sem mais delongas, vamos aos textos.

Abraços,

Katchiannya

Um "herói" como você nunca viu (a não ser quando se olha no espelho)




Das páginas de uma publicação da Brainstore, surgiu, aqui no Brasil,anos atrás, um dos mais interessantes heróis dos quadrinhos: tão nerd quanto o Aranha (mas não com tanta sorte com as mulheres), com uma imaginação de fazer inveja ao Mxyzptlk, inimigo do Super-Homem, capaz de viver no mundo da Lua sem sair da Terra. É ele: Finster. Quem? Ora. Bolas, Finster, o Fanboy. Vai dizer que não conhece? Pois então prepare-se.

Fanboy é uma minissérie de três partes (originalmente seis) e também é mais uma criação da dupla Mark Evanier/Sergio Aragonés. Nenhum dos dois é desconhecido dos leitores brasileiros: eles são responsáveis pelas histórias do Groo, o bárbaro mais idiota e engraçado dos quadrinhos. Também são deles os especiais Sérgio Aragonés destrói a DC e Sérgio Aragonés massacra a Marvel, nos quais satirizam os personagens e os clichês das duas maiores editoras americanas de quadrinhos. Aragonés também é conhecido por seus trabalhos para a revista Mad e Evanier é roteirista dos desenhos do Garfield, além de também ter escrito alguns episódios do clássico Caverna do Dragão.

Em Fanboy os dois fazem uma espécie de homenagem, recheada de humor, ao mundo dos quadrinhos mas, principalmente, à figura mais importante - e muitas vezes esquecida - de toda a história das HQs: o fã. É claro que existem fãs e fãs de quadrinhos. Os graus de paixão e envolvimento com a arte seqüencial são variáveis. Existem aqueles que são fãs de determinado herói, compram quase tudo relacionado a ele, independente de quem é o roteirista ou o desenhista. Outros são, por outro lado, fãs incondicionais de determinado artista e fiéis somente a ele.

E ainda existem aqueles que são chamados de "fãs profissionais", que não se prendem a um herói ou artista, mas são alucinados por quadrinhos em geral. Sabem tudo sobre quase tudo, não apenas em termos da cronologia de determinado herói, mas também quem desenhou e escreve e quando. Identifica um artista só de bater o olho em seu desenho, e sabem exatamente todas as notícias dos bastidores da indústria, não apenas as atuais, mas aquelas que se tornaram históricas. É esse último tipo de fã que Aragonés e Evanier retratam, mas apesar disso os fãs não tão radicais também acabam se identificando com a personagem.

Na minissérie, somos apresentados a Finster, um adolescente fanático por quadrinhos. Finster é um nerd que não é cdf ou extremamente inteligente: ele pertence àquela classe de nerds que o são apenas porque são devotos fãs de coisas como RPG, séries como Star Trek ou Arquivo X e, claro, quadrinhos. No caso de Finster, os quadrinhos permeiam todos os momentos de sua vida. Para todos os problemas que vive no mundo real, ele tenta encontrar soluções baseadas nas revistas que lê - e, na maioria das vezes (pasmem), dá certo.

As personagens são intencionalmente estereotipadas. Finster trabalha numa loja de quadrinhos gerenciada por um gordão seboso visto sempre com alguma comida nas mãos. Na loja, aparecem os tipos mais variáveis como Fuinha, o ladrão de gibis, ou um político corrupto que quer se promover pregando os malefícios dos comics (tal qual ocorreu durante os anos 50 nos Estados Unidos), ou os especialistas que hiperinflacionam os preços das revistas antigas. Além disso, Finster é apaixonado pela garota mais popular da escola, Kimberly, que por sua vez sai com o capitão do time de futebol americano da escola, não por amor, mas por uma questão de autopromoção. Há também a típica professora megera e a garota doce e boazinha, Sandy, que é apaixonada pelo herói, mas ele, em sua ignorância não percebe isso. É exatamente desse exagero nos clichês das situações e na estereotipia das personagens que os autores conseguem extrair seu humor, conseguindo, ainda assim, a proeza de não soar artificial.

Outras características da série também são um achado, como, por exemplo, a forma como eles brincam com a linguagem dos quadrinhos e a forma como Finster interage com o leitor, "conversando" diretamente com ele, além de ter consciência de sua existência como personagem de HQ. Também são fantásticas as cartas de Finster, que abrem as edições, dirigidas aos leitores. Além de contextualizarem as histórias que se seguem, também dão uma visão geral da história dos quadrinhos americanos.
Mas realmente o melhor de toda a série é que, por trás de todo o clima cômico e debochado, Evanier e Aragonés conseguem abordar temas sérios: discutem a questão da liberdade de expressão versus a censura e as atitudes de certos políticos que usam a polêmica para se promover, criticam o uso da violência para resolver problemas, apregoando que a inteligência, a lógica e o raciocínio são os melhores caminhos. A maior crítica, entretanto, é para o próprio fã de quadrinhos. A questão não é a paixão pela nona arte ou usá-la como referência para suas atitudes no mundo real, a questão está em se esconder nas HQs e se esquecer de curtir as outras coisas boas da vida.

Além de todas essas qualidades citadas, existe um atrativo a mais na série: a presença de artistas consagrados que dividem o lápis com Aragonés, tais como Frank Miller, Gil Kane, Jerry Ordway, Matt Haley, Bernie Wrightson, Dave Gibbons, Brian Bolland, Kevin Nolan, entre vários outros.

Vale a pena dar uma olhada e descobrir que existe um Finster em cada um de nós.

A Evolução do Homo sapiens quadrinisticus





O Homo sapiens quadrinisticus é uma curiosa subespécie do Homo sapiens comum. Aparentemente, essa subespécie não apresenta nenhuma característica física marcante que o diferencie do resto da humanidade, nem a transformação de um Homo sapiens comum em Homo sapiens quadrinisticus pode ser prevista por cientistas ou mesmo pelos pais desse “mutante”. As duas únicas coisas certas sobre o espécime são que (1) estão espalhados pelo mundo e podem ainda ser subdivididos em (a) Homo sapiens quadrinistucis comicus, (b) Homo sapiens quadrinistucis bandes-desinéesus, (c) Homo sapiens quadrinistucis mangacus, (d) Homo sapiens quadrinistucis fumettius* entre outros (2) a segunda coisa é que é possível traçar o processo evolutivo de tais indivíduos. Tal processo é descrito logo abaixo:

Tudo começa na infância, quando os pais inocentemente compram para seus filhos revistas em quadrinhos, as “revistinhas” como eles preferem chamá-las. No Brasil, na sua maioria são revistas da Turma da Mônica, de personagens da Disney, e similares, e volta e meia, revistas de super-heróis e alguns mangás mais comerciais passam a ser incluídas no meio. Dependendo do país em que isso acontece, o nome dos títulos e formatos varia, mas são sempre aqueles considerados "gibis para crianças".

A maioria das crianças acaba por deixar para trás tais publicações, mas não o Homo sapiens quadrinisticus, Este passa a se tornar mais e mais interessado neste tipo de revista, abandonando as publicações infantis e partindo, em sua maioria, para publicações de super-heróis, quadrinhos humorísticos, histórias de aventura, ficção, faroeste, samurais, e similares. Até mesmo a alguns títulos que misturam ação com relationships ou aqueles em que os relacionamentos são o foco principal. Essas publicações são o portão de entrada, e, usualmente, são consideradas comerciais e populares.

Desse ponto, podem englobar à sua leitura os chamados “quadrinhos adultos” (no caso do Homo sapiens mangacus, ele se voltaria aos gekigás) e devoram todas as publicações nacionais que seu dinheiro puder comprar – sendo que muitas vezes precisam escolher, com tristeza, se devem gastar o money em uma saída com os amigos ou em uma revista há muito esperada e desejada.

Até aí tudo bem, a mutação ainda é incompleta, as coisas vão ficando mais sérias e mais complexas na medida que o Homo sapiens quadrinisticus passa a saber o nome de todos os desenhistas e escritores de todas as revistas que curte, além de identificar tais desenhistas só de olhar seu desenho, em casos mais avançados consegue saber até mesmo que é o arte-finalista !?

Das revistas nacionais passa a comprar importadas, pode passar horas e horas em sebos empoeirados em busca de um exemplar raro de sua revista preferida ou tentando completar sua coleção de quadrinhos – que muitas vezes ocupa mais espaço no seu guarda-roupa que as roupas propriamente ditas- e achar que essas horas no sebo foram uma das mais divertidas que já teve, e se descobre uma loja especializadas em HQ vai lá não só para comprar, mas também para trocar informações com os outros membros da espécie. È, o Homo sapiens quadrinisticus adora quando encontra outro como ele, pois nesses momentos tem a oportunidade de falar sobre seu assunto preferido sem sofrer com olhares tortos, maldosos e críticos que a maioria dos outros mortais dirige para o pobre e incompreendido Homo sapiens quadrinisticus (ele é quase sempre um perseguido, acusado de ser imaturo e irresponsável só por gostar daquilo que a maioria acredita ser “coisa de criança” -ledo engano, algumas publicações estão a quilômetros de distância de infantil...)

Muitos Homo sapiens quadrinisticus sonham em ir para os Estados Unidos, mas nada de querer ir à Disney ou à Nova York, querem mesmo é ir à San Diego ou Chicago, onde acontecem as maiores feiras do gênero. (Feiras de quadrinhos é um caso a parte, deixa qualquer Homo sapiens quadrinisticus completamente alucinado, totalmente maluquinho).

E se gostam ou preferem mangás, podem até mesmo tentar aprender japonês para ler um no original, com a desculpa, algumas vezes, de que um dia o Japão vai superar economicamente os Estados Unidos, e que só ele vai estar preparado para esse futuro.

E embora, com tantas características peculiares, e por que não dizer, esquisitas (pelo menos na opinião de uma grande parte dos adultos “normais”), o Homo sapiens quadrinisticus é um espécime muito feliz, pois não perdeu a capacidade de sonhar, viajar para terras estranhas e fantásticas apenas com sua imaginação, de ser crítico, tudo isso pelo fato de amar essa arte chamada História em Quadrinhos.

por Katchiannya (uma Homo sapiens quadrinisticus apaixonada pelo gênero)

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*Comics são o termo usado para quadrinhos americanos, Mangás, para quadrinhos japoneses, Bandes-desinées para quadrinhos franceses e Fumetti para os italianos. Apesar de compartilharem o mesmo princípio de integração texto-imagem para contar uma história, possuem cada um particularidades de estilo


Um comentário:

  1. uau katchy, ótima desconstrução dessa tão fascinante espécie!foi um dos seus melhores artigos de recentemente, meus parabéns!

    é interessante que para quem vê de fora os nerds(fanboys, cdf's, etc...) parecem ineptos a maior parte das coisas e alheios a quase tudo, mas muitas vezes é justamente o contrário!

    é mais interessante ainda como os nerds brasileiros são out-estereótipos.

    como por exemplo, a visão que a maioria das pessoas tem dos nerds é uma visão de pessoas alheias a música, o que na verdade é totalmente equivocado, considerando que nós somos os os maiores fãs de rock, metal e punk do Brasil!

    más como as pessoas são intolerantes elas nem se dão ao trabalho de ver que seus estereótipos estão errados...

    mas eles que se fodam, quem precisa deles?!
    ....

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