terça-feira, 7 de novembro de 2017

Speed Racer (O Filme)- Resenha


Confesso que me bateu um certo desânimo em assistir a Speed Racer. A principal razão era saber que Andy e Larry Wachowski eram os responsáveis pelo roteiro e pela direção do filme. Embora eu tenha gostado muito do primeiro Matrix e goste de algumas coisas de Animatrix, me decepcionei em demasia com Matrix Reload e Matrix Revolutions. Desse modo, encarei a adaptação do anime com o pé atrás. 

Embora eles tenham produzido e roteirizado V de Vingança, Speed Racer é o primeiro filme que dirigem desde a trilogia de Matrix. (E, antes que me perguntem, eu ainda não vi V de Vingança, em parte por falta de tempo, outra por falta de coragem, mas agora, pretendo me arriscar). 

Para a minha grande surpresa, eu gostei do filme. Minhas expectativas não eram das melhores, mas, me vi realmente apreciando o filme. O começo derrapa, mas depois, a marcha engrena e o filme acelera. 

A história mantém o cerne básico do anime: Speed Racer (Emile Hirsch) é um jovem e promissor corredor cujo irmão mais velho, Rex, depois de brigar com o pai (John Goodman), morre em um acidente de carro. Depois do ocorrido, Speed, cujo talento nato para a corrida se revela desde criança, decide se tornar o melhor piloto do mundo, tanto para honrar o irmão falecido, quanto para trazer orgulho à sua família. 

Assim como na versão animada, o ponto de apoio de Speed é sua família, que também vem a ser a sua equipe. A Racer Motors é a empresa familiar independente que se vê diante das mega-coorporações que dominam - de forma por vezes inescrupulosas - o mundo das corridas. 

Segundo um amigo, esse tema (a estrutura familiar x grande capital e o valor do empreendimento do homem comum diante da ganância desmedida) é recorrente no cinema americano desde os anos 30 e 40, especialmente no trabalho do diretor americano Frank Capra. Coincidência ou não, essa temática esteve em alta justamente nos anos da Grande Depressão, e, atualmente, os Estados Unidos se vêem diante de uma forte recessão. 

Elucubrações a parte, essa oposição é reforçada de maneira inteligente, embora, para o espectador mais atento, seja relativamente óbvia, em uma seqüência que alternam as imagens da festa da mega empresa "inimiga" de Speed e sua família com imagens da Mamãe Racer (Susan Sarandon) preparando sanduíches de geléia e pasta de amendoim para a família, enquanto estes trabalham na oficina. 

Portanto, o primeiro grande acerto dos Wachowski foi perceber que a base da história de Speed está principalmente em sua família. Com isso, escolheram o elenco a dedo, sendo felizes nas suas decisões. Os atores que vivem Pops (John Goodman) e Mamãe Racer (Susan Sarandon), Gorducho (Paulie Litt) - o irmão caçula de Speed, o mecânico-quase família Sparky (Kick Gurry), e Trixie, a namorada do piloto, Trixie (Christina Ricci) não ficaram apenas idênticos visualmente aos personagens do desenhos, mas conseguiram encarná-los por completo. Emile Hirsch também se sai bem como Speed, equilibrando o idealismo e a audácia que são as características mais marcantes do herói. Mesmo Matthew Fox , como o misterioso Corredor X, se saí bem, embora, ás vezes seja difícil esquecer que ele é o "certinho" Jack Shephard da série Lost. 

O segundo grande acerto foram permitir Speed Racer ser exatamente o que ele é: uma produção pop, uma história simples, sem reflexões filosóficas herméticas e dramas pseudo-existencialistas que não caberiam naquele contexto. 

Speed Racer é pop até o último parafuso do Mach 5. Eles deixam claro nas cores, nos objetos cênicos, no figurinos e penteados - que misturam um clima nostálgico dos anos 60 (quando foi produzido originalmente o anime) com um ar de "futuro" (embora seja um que lembra muito os filmes de ficção dos anos 60). 

As cores sem muita gradações, estouradas em alguns momentos, os vilões caricatos (como também eram no desenho), entre outras coisas, dão um ar cartoonesco ao filme, o que invariavelmente acaba nos remetendo a outra adaptação, inspirada nos quadrinhos, Dick Tracy (1990). 

Contudo, essas mesmas cores acabam prejudicando o filme, especialmente o seu início. O filme é "colorido demais", o que às vezes o torna cansativo e faz com que o espectador perca, no meio daquele emaranhado de estímulos, os detalhes que realmente importam. 

Como disse, prejudica especialmente seu início por se este ser enfocado principalmente na família de Speed e no passado deste, onde a atuação dos atores pede mais destaque que o cenário à sua volta. 

Essas seqüências pediam uma direção de arte mais enxuta, não apenas pela questão supramencionada das atuações, mas também por perderem uma grande oportunidade de utilizar esse recurso sinestésico como mote amplificador das emoções que demandam as cenas de corrida. 

Falando nas cenas de corrida, elas empolgam. Embora eu não conseguisse parar de pensar que as pistas lembravam versões colossais das pistas de hot wheels (aliás, se eu não me engano, já tem realmente versões hot wheels das pistas do filme sendo vendidas). 

Paradoxalmente, a corrida mais empolgante - ou pelo menos a que faz o filme realmente engrenar - é aquela que mais se aproxima das corridas originais do anime: a do rally através do deserto e das montanhas. 

O filme se estende em demasia em algumas seqüências, acerta em outras - a seqüência de abertura mostrando Speed se preparando para uma corrida, batendo o pé de ansiedade, cortando para o Speed menino, também batendo pé me contigüidade visual, criando uma ligação forte entre aqueles dois momentos da vida do personagem é um exemplo desses acertos. 

Outro ponto a se destacar é a forma como a trilha sonora original do anime foi inserida de forma discreta, porém marcante durante todo o filme. 

Não acredito que essa adaptação vá se tornar um clássico do cinema como o anime no qual se baseou se tornou na história da televisão, contudo, o filme cumpre a que veio de forma competente. Enfim, entre feridos, carros capotados e explosões, acho que Speed Racer (o filme) conseguiu cruzar bem a linha de chegada. 

Speed Racer 
EUA , 2008 - 129 min 
Aventura / Ação / Infantil 


  • Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski 
  • Roteiro: Andy Wachowski e Larry Wachowski
    Elenco: Emile Hirsch, Matthew Fox, Christina Ricci, Paulie Litt, John Goodman, Susan Sarandon, Kick Gurry, Roger Allam.
    Nota: 3 em 5
    Galeria de Imagens 

            

       
  • quinta-feira, 2 de novembro de 2017

    Um pouquinho do Japão...


    O Catador de Batatas e o Filho da Costureira ou O Filho da Costureira e o Catador de Batatas.

    Lançado pela JBC para comemorar os 100 anos da Imigração Japonesa e realizado pelo desenhista Bruno D’Angelo e pelo roteirista Ricardo Giassetti, “O Catador de Batatas e o Filho da Costureira ou O Filho da Costureira e o Catador de Batatas”.
    conta a história de Ikemoto, um imigrante japonês, e Isidoro, um descendente de escravos:

    O Catador de Batatas
    IKEMOTO está em fuga de seu próprio passado. Sua família e toda a classe samurai se viu esquecida após a Reforma Meiji. Sem posses e sem futuro, Ikemoto vê o Brasil como um refúgio distante para curar as mágoas de seu passado. Veterano da guerra russo-japonesa (1904-05), foi prisioneiro de guerra no navio Kazan, agora de posse da frota japonesa sob o nome Kasato Maru.

    O Filho da Costureira
    ISIDORO não conheceu nem sua mãe nem seu pai. Foi criado por Dona Nâna, costureira de grande coração que acolhe crianças rejeitadas. Vivendo como colonos em uma fazenda de café, Isidoro destaca-se como um garoto esforçado e inteligente, o que o faz ser uma figura deslocada nesse ambiente rústico. Sem muitas perspectivas devido ao preconceito racial, Isidoro e Ikemoto acabam unindo forças e compartilhando problemas que os encaminham para um destino comum: a fuga para uma nova vida, com novos desafios e conquistas. 
    (extraído do site da JBC)


    A idéia da revista é sensacional. O título duplo é justificável porque na realidade são duas revistas em uma. Lendo-se da esquerda para a direita (o modo ocidental de se ler) vemos os fatos da perspectiva de Isidoro com os textos em português e legendas em japonês no rodapé; da direita para esquerda, a história de Ikemoto é contada no modo oriental de se ler, em japonês com notas em português.

    As duas histórias convergem para um único final que se encontra no meio da revista, o que parece intencionalmente ser uma metáfora para os encontros das histórias e culturas que tornaram o Brasil o que ele é.


    Contudo, apesar da premissa criativa e interessante, o resultado final é um pouco desanimador. 

    Para começar, o resumo do site da JBC que eu coloquei aqui explica muito mais a história que o texto original. Quando nós lemos as trajetórias de Isidoro e Ikemoto, muitos fatos ficam obscuros ou são pouco explicados e explicitados. Muitas vezes me peguei perguntado sobre o que exatamente aconteceu, como se imensas lacunas tivessem sido deixadas no decorrer da narrativa.

    Na realidade, essas lacunas realmente existem, vários fatos são mencionados porém não mostrados, como o modo pelo qual Ikemoto ajudou uma família de imigrantes com o racionamento de alguns alimentos (eu acho...). Aliás, não se sabe porque o menino da família auxiliada por Ikemoto deduz que o ex-militar era um catador de batatas, apesar de nunca ter sido um.

    A suposta amizade entre Isidoro e Ikemoto é mal desenvolvida, e não se entende porque no fim das contas eles decidem se juntar e partir juntos do povoado que habitam. Parece algo completamente “deus ex machina” a amizade e aliança formada entre os dois.

    Os desenhos deixam um pouco a desejar, muitas das cenas parecem  esboços de croqui, se tornando tão confusos quanto a história.

    Uma pena, pois os personagens são potencialmente interessantes e a ideia para uma homenagem a dois povos que tanto contribuíram para a formação do Brasil era genial. 

    Vale ler apenas como uma curiosidade... lamentando-se que o resultado final fique tão aquém do desejado.


    Minhas Imagens do Japão


    Em compensação, a editora CosacNaify publicou um tempo atrás  Minhas imagens do Japão, com texto e ilustrações de Etsuko Watanabe, traduzido por Cássia Silveira.

    A autora traz aos leitores o dia a dia da pequena Yumi e de seu irmão caçula Takeshi em seu dia a dia no Japão.


    Ela descreve todo o dia a dia daquelas crianças, a casa, o quarto de dormir, os apetrechos para se ir na escola, as refeições, a comida, a higiene pessoal, até mesmo o banho público. Assim como os festivais anuais e as tradições...

    Tudo de um modo tão suave, inocente e natural que é nos é impossível não adentrarmos naquela cultura com olhos de aceitação, curiosidade e interesse.



    Sei que usualmente não gosto de fazer isso, preferindo escrever minhas próprias observações, mas, encontrei uma resenha tão perfeita sobre esse livro que achei válido reproduzi-la aqui:

    “Mais que uma crônica da vida urbana no Japão contemporâneo, esse livrinho guarda a chave para compreendermos um fato muitas vezes esquecido: que, apesar das diferenças, somos todos, essencialmente, seres humanos. Não é pouco. 

    Quando os meios de comunicação e a Internet nos bombardeiam com toneladas de informações superficiais ou inúteis - em que podemos vislumbrar, quase sempre, generalizações injustas e perigosas -, as diferenças culturais passam mais a afastar do que aproximar as pessoas, transformando o outro, o estranho, no rival, no inimigo. 

    Como vive uma menina de sete anos no Japão? Nesse lugar tão longínquo - não apenas em termos geográficos -, o que há de diferente e de semelhante em relação a nós? 

    Para responder a essa pergunta, Etsuko Watanabe nos apresenta o Japão e seu povo: os utensílios do cotidiano, os objetos escolares, a vida em família. E como a mesa é posta, quais as vestimentas do dia-a-dia, algumas brincadeiras - as minúcias, enfim, que constroem uma civilização. Conhecemos também as palavras, com seus sons inesperados, às vezes surpreendentes, donas de uma eufonia para a qual precisamos reeducar nossos ouvidos. 

    A beleza do estranho nos assalta em inúmeros trechos da obra. A autora, formada pela Musashino Art University e com mais de sete livros infantis publicados, não despreza sequer os aspectos da intimidade. A importância da hora do banho, os vasos sanitários - curiosos e eficazes - e os banhos públicos - uma característica dessa cultura que não submeteu a nudez humana ao arbítrio da absoluta privacidade: todo o engenho do conforto e da higiene de uma civilização está resumido nesse livrinho. 

    De repente, percebemos que não estamos distantes do Japão dos samurais, e é como se pudéssemos vislumbrar, sob cada gesto - principalmente sob os hábitos e a disciplina escolares -, o código de honra desses antigos guerreiros. 

    Nada é esquecido: das brincadeiras infantis às superstições, à busca da sorte e da ajuda dos deuses; as lendas e os costumes; as crenças pueris do povo e as festas que as materializam, comemorações que são marcos da passagem do tempo, cujas alegrias podem conceder uma nova força à vida banal, fragmentada entre o trabalho e as poucas horas de descanso. 

    Introdução a um mundo diverso do nosso, a obra de Watanabe oferece possibilidades quase infinitas de se trabalhar com as crianças, não só para diverti-las, mas também para mostrar como as diferenças, se quisermos, podem mais unir do que separar as pessoas. Sob o olhar imparcial de uma menina capaz de se encantar com as menores coisas, Minhas imagens do Japão descreve um povo cujas tradições e história engrandecem a espécie humana”. 

    (por Rodrigo Gurgel – “A beleza do diferente” em http://educacao.uol.com.br/resenhas/imagens-japao.jhtm)

    Enfim, apesar de ser um livro infantil, é uma leitura indicada para qualquer que seja a sua idade.